A Dra. Mariangela Hungria, pesquisadora líder da EMBRAPA Soja, recebeu o Prêmio Mundial da Alimentação 2025, o mais prestigiado prêmio internacional em ciências agrícolas, frequentemente chamado de “Prêmio Nobel da Alimentação e Agricultura”. Ela é a primeira brasileira e a segunda mulher latino-americana a receber esta homenagem, reconhecida por seu trabalho pioneiro utilizando microrganismos benéficos do solo para mudar a agricultura tropical.
Sua pesquisa em fixação biológica de nitrogênio gerou ganhos significativos de produtividade, reduzindo impactos ambientais e tornando a agricultura sustentável mais acessível. De acordo com a Fundação Prêmio Mundial da Alimentação, suas contribuições são um modelo de inovação impulsionada pela ciência, com raízes locais e relevância global.
Um cientista guiado pela curiosidade e propósito
A Dra. Hungria descreve sua escolha de carreira como algo natural: “Desde que me lembro, eu queria entender como as coisas funcionam. Sempre fui fascinada por ciência.”
Seu fascínio começou cedo, despertado por um livro presenteado por sua avó que abriu as portas para a biologia. Esse amor pelo aprendizado foi nutrido pelas mulheres de sua família. Foi sua mãe que se mudou com a família para São Paulo para que Mariangela pudesse ter acesso a escolas melhores e oportunidades mais amplas. Essas influências iniciais ajudaram a moldar não apenas sua carreira, mas sua profunda crença na educação e na ciência pública.
Com formação em biologia, doutorado e várias bolsas internacionais de pós-doutorado, ela começou sua carreira na EMBRAPA no início da década de 1980. Por mais de quatro décadas, ela trabalhou na interseção entre ciência básica, inovação aplicada e agricultura do mundo real, especialmente em ambientes tropicais.
Inovação em solos vivos
No cerne de seu trabalho está o desenvolvimento e a aplicação de inoculantes biológicos, microrganismos aplicados a sementes ou ao solo para transformar o nitrogênio atmosférico em uma forma utilizável pelas plantas, aumentando assim a produtividade e restaurando a saúde do solo.
“A natureza já oferece soluções. Nosso papel é entender esses mecanismos e disponibilizá-los aos agricultores de forma segura, eficiente e acessível.”
Atualmente, cerca de 40 milhões de hectares de plantações de soja no Brasil dependem de inoculantes desenvolvidos por meio de sua pesquisa. Essa abordagem reduziu ou eliminou a necessidade de fertilizantes nitrogenados sintéticos em grande parte da produção do país.
Produtividade que protege o planeta
Segundo a EMBRAPA, a implementação do processo de fixação biológica de nitrogênio na agricultura brasileira evitou a emissão de mais de 200 milhões de toneladas de CO₂ equivalente (CO₂e) na atmosfera. Essa abordagem ecologicamente correta também reduz o escoamento de nitrogênio, preservando a qualidade dos solos e cursos d’água em milhões de hectares.
“É possível ter produtividade e sustentabilidade juntas. O solo não é apenas um suporte físico. Ele está vivo. E quando bem tratado, ele retribui na forma de alimento.”
Os métodos da Dra. Hungria são agora referenciados mundialmente como parte da mudança em direção à agricultura regenerativa, sistemas que restauram a vida do solo, reduzem a dependência química e promovem a resiliência nos sistemas alimentares. Seu trabalho mostra que a agricultura tropical pode ser produtiva e ambientalmente responsável, oferecendo um modelo de inovação enraizado na biodiversidade local e adaptado aos desafios globais.
Mulheres na ciência e o poder da colaboração
Mariangela é uma grande defensora da importância da solidariedade e da liderança compartilhada, especialmente entre cientistas mulheres.
“Isso é algo que vejo como feminino na ciência. No meu grupo de pesquisa, temos pessoas que vão da Amazônia ao sul do Brasil. Quando uma de nós enfrenta qualquer problema, as outras se manifestam. Esse tipo de rede nos mantém em movimento.”
Sua história está profundamente interligada à presença e ao apoio de outras mulheres, desde suas raízes familiares até suas parcerias científicas. É um lembrete de que colaboração, cuidado e coragem não são apenas valores, mas forças que moldam a inovação duradoura.
Para as jovens que ingressam na ciência, sua mensagem é clara: “Sejam resilientes. Permaneçam unidas. Lutem muito. E levantem a voz, porque se não mostrarmos a importância da ciência, os recursos serão destinados a outros lugares.”
Um marco construído por muitas mãos
Embora o prêmio leve seu nome, Mariangela insiste que ele pertence a toda a sua equipe de pesquisa.
“Este prêmio não é só meu. É o resultado de um esforço coletivo — de anos trabalhando lado a lado com uma equipe comprometida que trilhou esse caminho comigo.”
O Prêmio Mundial da Alimentação, criado pelo Prêmio Nobel da Paz Norman Borlaug, homenageia indivíduos que melhoram a qualidade, a quantidade ou a disponibilidade de alimentos em nível global. Ao homenagear a Dra. Mariangela Hungria, o comitê reconheceu um legado que redefine como a ciência pode beneficiar agricultores, ecossistemas e gerações futuras.
“O Brasil tem muita criatividade, uma sólida formação e disposição para trabalhar. Temos um potencial enorme. Só precisamos continuar acreditando nisso.”