Você sabia que o Sistema Plantio Direto (Agricultura Conservacionista) é uma tecnologia autenticamente brasileira, iniciada por agricultores heróis?

Por Marie Bartz*

No início da década de 1970, embora já existissem algumas iniciativas de pesquisa e programas governamentais voltados para a conservação do solo — especialmente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil — um novo tipo de movimento estava se consolidando no norte do Paraná. Desta vez, não era liderado por cientistas ou políticos, mas pelos próprios agricultores. Cansados de ver suas terras serem arrastadas pela erosão, eles começaram a resolver a situação por conta própria, iniciando uma revolução popular para proteger o solo que sustentava seu sustento.
Um agricultor em particular, Herbert Bartz, recusou-se a aceitar a perda de seu solo, grãos e fertilizantes devido à erosão. Sua propriedade, a lendária Fazenda Rhenânia, localizada na cidade de Rolândia, e onde ele estava chateado por ver seu bem mais precioso — seu solo — ser levado por fortes chuvas, levando as encostas para o rio. Bartz procurou ajuda do agrônomo Rolf Derpsch, que fazia parte de uma missão alemã que trabalhava em parceria com o Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Sul do Ministério da Agricultura.
Após ler alguns artigos recomendados por Derpsch sobre um método chamado “Plantio Direto” usado nos Estados Unidos, Bartz decidiu viajar para o exterior em busca de alternativas para proteger seu solo. Primeiro, foi à Europa, mas não encontrou nada que pudesse ajudá-lo. Foi nos EUA, no entanto, onde conheceu o agricultor Harry Young Jr., no Kentucky, apresentado pela agrônoma Shirley Phillips, que finalmente encontrou a solução que buscava.
O Sr. Young praticava o Plantio Direto (PD) há dez anos. Após uma longa e inspiradora conversa entre Bartz, Young e Phillips, Bartz encomendou uma semeadeira PD Allis Chalmers para ser enviada ao Brasil, marcando um ponto de virada em suas práticas agrícolas e, mais tarde, na história da conservação do solo no país.
Mas as coisas não foram exatamente fáceis para Bartz. Quando retornou ao Brasil, tinha apenas 10 dólares no bolso — e ainda não havia terminado de pagar a passagem aérea. Para piorar a situação, ao chegar em casa, descobriu que uma forte geada havia destruído sua plantação de trigo. Como se não bastasse, seu próprio pai se recusou a assinar um empréstimo para o plantio de verão, acusando Bartz de usar toda essa “conversa de inovação” como desculpa para trabalhar menos. Então veio outro golpe: quando a plantadeira Allis Chalmers NT finalmente chegou ao porto de Santos, foi atingida por um alto imposto de importação de até 40%, sob a alegação de que uma máquina semelhante já estava sendo produzida no Brasil.
Mas a convicção de Bartz de que o NT era a solução nunca vacilou. Apesar dos obstáculos, ele vendeu quase todos os seus equipamentos agrícolas, ficando apenas com a nova semeadeira, um trator e uma colheitadeira. Em 23 de outubro de 1972, realizou seu primeiro plantio de soja usando o sistema NT. O que inicialmente planejado como um teste em apenas 10% de suas terras rapidamente se transformou em um ato de fé, e ele plantou todos os 200 hectares usando o novo método.
Sua teimosia e recusa em retornar ao cultivo convencional com arados e grades lhe renderam o apelido de “alemão maluco de Rolândia que plantava no mato”. Bartz costumava dizer: “Prefiro perder minha soja para o mato do que perder meu precioso solo para a erosão”.
Ironicamente, a colheita daquela primeira safra de NT foi apreendida pela Polícia Federal sob a alegação de que, por ter sido cultivada por meio de um método “suspeito”, poderia ser imprópria para o consumo. A
“loucura” de Bartz ecoou muito além de sua região natal. Sua iniciativa ousada chamou a atenção de cientistas, acadêmicos, políticos e, principalmente, de outros agricultores. Esses agricultores começaram a visitá-lo para entender o que ele estava fazendo. Assim, aos poucos, o NT começou a se espalhar pelo estado: para Campo Mourão em 1973, Mauá da Serra em 1974 e para a região dos Campos Gerais em 1976.
Quando Bartz uniu forças com Nonô Pereira e Franke Dijkstra na região dos Campos Gerais, o trio logo ficou conhecido como os “Três Mosqueteiros” do movimento Plantio Direto no Brasil. Motivados por uma paixão compartilhada e uma determinação inabalável, eles dedicaram seu tempo, energia e recursos pessoais para disseminar a prática pelo país.
Em 1979, fundaram o Clube da Minhoca — uma entidade onde agricultores e apoiadores podiam compartilhar experiências, trocar conhecimentos e trabalhar juntos para aprimorar e refinar o NT. Este clube tornou-se a “mãe” de centenas de Clubes Amigos da Terra que mais tarde se espalharam pelas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, criando uma rede de agricultores unidos pela mesma missão.
Em 1992, o Clube da Minhoca evoluiu para a Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto. Desde então, esta organização sem fins lucrativos tem desempenhado um papel fundamental na promoção da expansão e implementação do sistema plantio direto em todo o país e no mundo.
No início, nem todos consideraram a implementação do Plantio Direto no Brasil uma medida razoável. Alguns cientistas e pesquisadores consideraram a decisão dos agricultores de adotar essa nova prática — sem validação científica prévia — arriscada, até mesmo imprudente. No entanto, foi justamente essa ousadia do setor agrícola, especialmente dos agricultores e dos fornecedores de insumos e máquinas, que impulsionou uma revolução silenciosa no campo. Eles buscaram alternativas que reduzissem o impacto da degradação do solo e abrissem caminho para uma forma mais sustentável e resiliente de intensificação agrícola. Embora a
academia e as instituições de pesquisa tenham permanecido inicialmente em segundo plano, seu envolvimento cresceu com o tempo. À medida que a colaboração se fortaleceu, o que começou como uma resposta prática à erosão tornou-se algo muito maior: o Sistema Plantio Direto (SPD). O
SPD baseia-se em três princípios-chave — cobertura permanente do solo, perturbação mínima do solo e diversificação de culturas por meio do uso de culturas de cobertura — todos os quais aumentam a biodiversidade e os processos biológicos tanto acima quanto abaixo do solo. O impacto desse modelo não passou despercebido. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mais tarde se referiria à abordagem brasileira como referência em “Agricultura de Conservação”.
Nos últimos 53 anos, o NTS ajudou a transformar o Brasil de um grande importador de alimentos em uma das potências agrícolas do mundo. Muitas tecnologias foram fundamentais para essa mudança, mas nenhuma delas teria tido o mesmo impacto sem os solos mais saudáveis possibilitados pelo NTS. O notável é que essa não foi uma decisão de cima para baixo — começou com agricultores que queriam proteger seu solo da erosão durante chuvas fortes.
Com o tempo, empresas e cientistas uniram forças com os agricultores, adicionando novas ferramentas, conhecimentos e práticas. À medida que o sistema evoluiu, ele também começou a ajudar a proteger os recursos hídricos. Mais tarde, pesquisas mostraram que a rotação de culturas sob o NTS poderia até mesmo ajudar a capturar carbono da atmosfera e apoiar o retorno da vida ao solo. Essas descobertas fortaleceram o sistema e ajudaram a disseminar ainda mais seu uso.
O sucesso do NTS no Brasil mostra o que é possível quando todos — de agricultores a cientistas — trabalham juntos. É uma história de inovação, resiliência e cooperação que pode inspirar outras partes do mundo que buscam maneiras sustentáveis de cultivar alimentos e cuidar do planeta.

Se você quiser saber mais sobre essa extraordinária revolução dos agricultores brasileiros, pesquise estas publicações:

“Sistema Plantio Direto: Uma tecnologia genuinamente brasileira que atende às atuais demandas globais – Avanços em Agronomia”
“O Legado de Herbert Bartz: o Pioneiro do Sistema Plantio Direto” – disponível na Amazon.com como versão Kindle

fonte
https://brazilianfarmers.com/news/did-you-know-that-no-tillage-system-is-an-authentic-brazilian-technology-started-by-hero-farmers/

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